tag:blogger.com,1999:blog-65659178696449410072024-03-07T22:29:29.962-08:00o tango dos guarda - chuvasAtílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.comBlogger71125tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-16876394111420152902016-02-03T12:29:00.000-08:002016-02-03T13:19:07.373-08:00: Nada :<div style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 15.456px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Um trabalho experimental unindo poesia, sobreposição de áudios e desenho em movimento.</div>
<div style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 15.456px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Arquitetura sonora: Proyecto Gomez<span class="text_exposed_show" style="display: inline;"><br />Poema em fluxo: Atílio Alencar<br />Desenhos moventes: Maurício Canterle</span></div>
<br />
<br />
<iframe allowfullscreen="" frameborder="0" height="393" mozallowfullscreen="" src="https://player.vimeo.com/video/135077645" webkitallowfullscreen="" width="700"></iframe><br />Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-38663121784130537942014-12-31T11:09:00.003-08:002014-12-31T11:11:30.250-08:00O sussurro delas melhora o meu.A Caren e a Louise brincando com um quase-poema meu. O riso-sussurro delas deixou tudo melhor.<br />
<br />
<iframe width="100%" height="450" scrolling="no" frameborder="no" src="https://w.soundcloud.com/player/?url=https%3A//api.soundcloud.com/tracks/183917540&auto_play=false&hide_related=false&show_comments=true&show_user=true&show_reposts=false&visual=true"></iframe><br />
Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-36298354004408321172014-10-20T15:05:00.002-07:002014-10-20T15:08:00.601-07:00Em algum lugar o dia é bonitoMeu passeio mais longe é pra dentro<br />
<br />
onde não sei quem<br />
<br />
nem quando<br />
<br />
me sopra o enigma<br />
<br />
desintegra o cimento<br />
<br />
e arromba as janelas.<br />
<br />
<br />
Meu longe é perto do fundo<br />
<br />
pro alto<br />
<br />
no lado úmido da cama<br />
<br />
- quando sonho as formigas devorando o azul das lajotas.<br />
<br />
<br />
Meu mergulho é num mar róseo<br />
<br />
tecido feito pra rasgar<br />
<br />
boca afogada, relâmpago, madrugada<br />
<br />
e sou a gula da primeira fome.<br />
<br />
<br />
Tenho o resto do teu segredo em meus dentes.<br />
<br />
<br />
Minha cor mais quente, eu disse:<br />
<br />
minha cor mais quente<br />
<br />
é a que te faz queimar<br />
<br />
lembrando<br />
<br />
a gente.Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-7910463115842602152013-11-24T10:46:00.001-08:002013-11-24T10:58:39.939-08:00A ressaca e o domingo ou Breve tratado sobre o niilismo de bolsoA minha fortuna, qual seria<br />
<br />
não fosse o mínimo, detalhe ínfimo,<br />
<br />
vintém, gole que resta:<br />
<br />
a marca úmida dos copos sobre o balcão,<br />
<br />
o Gozo com a inicial maiúscula do atrevimento,<br />
<br />
ou a raiva de quem me suborna o desejo.<br />
<br />
<br />
A preguiça ante a meta do milhão,<br />
<br />
as mãos desacostumadas da prata,<br />
<br />
eis meu tributo ao governo dos infalíveis: um risonho zero.<br />
<br />
<br />
(se não me fossem subtraídas as gotas de sangue uma a uma, em dinheiros, acharia mais graça na vida)<br />
<br />
<br />
Minha alegria, reverso do verso do livro-caixa,<br />
<br />
insinuada nos rabiscos nunca publicados, nas tantas respostas caladas,<br />
<br />
- fiapos da minha definitiva conversa com o deus ou o patrão ou o prefeito.<br />
<br />
<br />
Sou feito das infinitas coisas fadadas ao esquecimento, <br />
<br />
- meu nome? Ah, quem souber,<br />
<br />
favor imprimir em letras discretas no mural da escola, ao lado de: esteve aqui, mas um dia não veio mais.<br />
<br />
Fui banido dos projetos de sucesso, e fingi desencanto<br />
<br />
quando no íntimo sorria deslumbrado com as possibilidades do nada.<br />
<br />
O último plano, sofisticadíssimo, teria vingado, não fosse meu atraso por motivo algum.<br />
<br />
(é que estava ali a gastar prosa com uns desconhecidos)<br />
<br />
Depois, no final das contas, me faltava o talento para as cousas numéricas: sei crescer e andar altivo e sublinhar frases de efeito,<br />
<br />
mas nunca prestei atenção em como se justifica que dois mais dois igual etecétera.<br />
<br />
Moral da história, não há.<br />
<br />
Mas quis dizer aos amigos que tudo bem, a próxima rodada foi anunciada como cortesia da casa.<br />
<br />
E faleci de amores pela ideia de esbanjar o verbo enquanto me embebedo de vento.Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-13714618236809708422013-08-03T14:06:00.002-07:002013-08-03T14:11:57.089-07:00Agosto ao sul do equadorQuando a lua inspirou uma poça d'água, eu vi<br />
<br />
com uns cães ao meu lado, andei<br />
<br />
cheio de rua nos pés,<br />
<br />
ao teu encalço, no revés das pedras<br />
<br />
te vendo sob o tecido do vento<br />
<br />
co'esse modo de estar secreta ou aberta<br />
<br />
para mim já o fogo que lambe,<br />
<br />
a água que cheira, os rios derramados: tu: a água<br />
<br />
que me bebe.<br />
<br />
Ouvi dizer, minha língua<br />
<br />
roçando a superfície entre a planta<br />
<br />
dos nervos<br />
<br />
e tuas pernas de louça.<br />
<br />
Ouvi querer, tua sede<br />
<br />
revirando a terra, com a força dos dedos consentidos<br />
<br />
para o fundo, o temporal sobre os caules<br />
<br />
- lá fora o alarme dessa dor-meia-irmã-do-gozo.<br />
<br />
E venta, como ventou, se transpirantes<br />
<br />
e fingidamente despertos, sonhamos com uma palavra<br />
<br />
não de dizer, mas de sonhar: palavra de nuvem espessa, <br />
<br />
caldo de barro e madeira,<br />
<br />
gosto de esquinas à perder de vista, aqui do lado, lençol de estrelas.<br />
<br />
<br />
E restamos com as mucosas fatigadas, criminosos <br />
<br />
com o aval da carne.<br />
<br />
<br />
Prontos para o começo, os olhos densos do sal, marejados de vida.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-81741018073664405232013-04-27T06:39:00.001-07:002013-04-27T06:53:44.654-07:00Rabiscos no papel do pãoEstar só sem estar só, desfazer-se dos nós,<br />
<br />
das velas rasgadas, marés atrasadas,<br />
<br />
por fim e por último o convulso poço d’água, <br />
<br />
deste lado das mágoas.<br />
<br />
Catar no vento a fortuna dos caminhos desfeitos<br />
<br />
rarefeito andar, beber,<br />
<br />
e coser<br />
<br />
na entrelinha, na semi-luz, <br />
<br />
dedilhando<br />
<br />
os fios rubros da vida-menina<br />
<br />
- meninices da farta doçura e dos leites derramados.<br />
<br />
Escarnecer de tudo que não é carne e verdade,<br />
<br />
pão e vinho sob um luar de orgias.<br />
<br />
Escarnecer para não gritar a execução sem sangue<br />
<br />
e assim mesmo<br />
<br />
partir a vértebra do silêncio e dos enganos,<br />
<br />
sabendo o sabor e as saudades.<br />
<br />
Tudo com as veias muito abertas, como convém <br />
<br />
aos que tem fome, aos tantos desejos sem nome<br />
<br />
à nossa nostalgia de ribeiras e de crianças perfeitas<br />
<br />
que um dia, um dia<br />
<br />
sorriem intactas nas manhãs do nosso futuro.<br />
<br />
Borrar as linhas retas, perseguindo teus atalhos,<br />
<br />
esquecendo meu próprio texto no entreato.<br />
<br />
(triste é o mecânico grasnar dos enamorados pelo ouro)<br />
<br />
Quem soube sangrar, hoje evita as facas amoladas.<br />
<br />
<br />
E ao beijar a margem perfumada do teu olho, entrever o céu das calçadas da infância.Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-26487714770458012812012-11-20T22:43:00.002-08:002012-11-22T11:04:40.997-08:00Um mês no meio do ano no meio do sonhoTeu sonho contra meu peito<br />
<br />
meu jeito de dizer teu nome<br />
<br />
teu nome de fazer meu lábio<br />
<br />
nosso plexo de raros.<br />
<br />
Nossa riqueza e pobreza<br />
<br />
a aspereza das línguas<br />
<br />
a coberta da noite sobre nós<br />
<br />
o calor e o convexo<br />
<br />
o côncavo e o quero mais.<br />
<br />
Minha sina de ficar velho<br />
<br />
tua sina de ser menina<br />
<br />
nosso não ter idade nem endereço<br />
<br />
nossa graça do começo<br />
<br />
meu jeito e o teu de matar a fome<br />
<br />
a morte pequena e o sono bom.<br />
<br />
A gota última que sobra<br />
<br />
o gole sedento na saliva densa<br />
<br />
o mundo desarrumado e a gente rindo<br />
<br />
a gente lindo, e a gente rindo.<br />
<br />
O reflexo da rua e tu me ensinando<br />
<br />
tua pele nua minha carne crua<br />
<br />
a cidade o sonho a hora a cor das unhas<br />
<br />
a espera e a vontade e as frases corrigidas.<br />
<br />
O vento ofegante e o barco sem água<br />
<br />
a demora em dizer e a pressa em rever<br />
<br />
o passeio no sol, a alegria indiscreta<br />
<br />
a janela bem aberta para o temporal.<br />
<br />
Os bichos sonâmbulos e a cena de filme<br />
<br />
a porta que abre e o vagar felino<br />
<br />
a procura pela água e o rumor, e a rima.<br />
<br />
O despertar com as veias dilatadas<br />
<br />
os olhos acordando os olhos<br />
<br />
e no fundo dos olhos, bem no fundo dos olhos<br />
<br />
um dentro do outro dentro do um.Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-5051392538801138322012-10-30T08:15:00.001-07:002013-11-24T13:39:39.630-08:00Roteiro sugerido de acasos ou os afetos do claro-escuro<br />
<br />
Atende por nomes que desconheço: nós que ardemos nas vias fatais<br />
<br />
achamos por bem que a palavra fosse destino. Ou acaso,<br />
<br />
<br />
- mas o acaso não parece justo o mais bem orquestrado?<br />
<br />
<br />
Como se num ensaio muito discreto, com pés de pluma<br />
<br />
sobre um chão de vento<br />
<br />
a vida num sussurro traiçoeiro aos envenenados:<br />
<br />
<br />
- É tempo agora, inspira o ar estrangeiro dessa rua onde nunca nada antes<br />
<br />
porque o amanhã já não te saberá sóbrio, nem distraído.<br />
<br />
<br />
E se cruzam entre tantos, raros porque desiguais.<br />
<br />
<br />
Depois a noite a pulsar completa e embriagada quando do sonho a carne é refém.<br />
<br />
<br />
(e dizem tanto, e com tanta e incontida febre no linguajar<br />
<br />
que um rio se adensa e rebela no fundo das veias)<br />
<br />
<br />
Perfeitos estranhos convertidos ao íntimo despertar.<br />
<br />
<br />
Há ainda a trama dos silêncios úmidos a fabricar nas bocas um manancial de vertigem.<br />
<br />
<br />
(são as horas que precedem o calor mais extremo e um contrabando de águas)<br />
<br />
<br />
Arrebatados pela ventura, dormem a revelia do mundo.<br />
<br />
<br />
Se anuncia luminoso um dia branco, candente. Estão vivos e o ardume os descreve em vermelho.<br />
<br />
<br />
No retrato do ócio as mãos descansam fartas de lua cheia, afeitas ao fogo.<br />
<br />
<br />
Se dizem destino, acordam a noite alagadiça, sólidos.<br />
<br />
<br />
E se revela a indecência do acaso nos olhos de um gato.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-8101522083093103302012-10-18T13:29:00.002-07:002012-10-19T23:19:28.414-07:00Bilhete das noites em claro<br />
Anoitece:<br />
<br />
percebemos que há um incêndio e que a chuva não bastou. <br />
<br />
O verão se atreve a burlar a noite<br />
<br />
com a sede de seus bichos, e a mais clara água <br />
<br />
não sabe matar o frêmito das línguas.<br />
<br />
Há fome também.<br />
<br />
De intempestivos morangos.<br />
<br />
Dos mais incandescentes frutos,<br />
<br />
arranca-se o licor sanguíneo, ora sequestrando da carne<br />
<br />
um espasmo de dor sem lamento.<br />
<br />
É alta a noite quando entramos os olhos no fogo.<br />
<br />
No escuro, estamos doados ao perfume do temporal.<br />
<br />
Vida, a mesma que nos sopra o vento pelas entranhas, <br />
<br />
a fotografar indiscreta o sorriso solitário (se longe).<br />
<br />
De perto, as peles vertendo a violência mais cândida.<br />
<br />
Entre uma lua oriental e a indolência dos gatos, o torpor da vida acometendo as veias.Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-89076921070235550052012-09-27T23:18:00.000-07:002012-09-28T00:21:09.608-07:00(entre parênteses)<br />
<br />
Ela nem sabe quanta.<br />
<br />
Tanta meia palavra (entre parênteses)<br />
<br />
e quatro paredes: ela nem sabe a quântica<br />
<br />
d'ele estar, não estando. <br />
<br />
Disso de ir, ficando, num adeus do sofrer<br />
<br />
e na despedida que tarda<br />
<br />
como uma tarde<br />
<br />
que não quer morrer. <br />
<br />
(como a lua engolida no azul, a cor indelével)<br />
<br />
Era hora do inesperado: atravessar a rua<br />
<br />
sem olhar para os lados<br />
<br />
e atropelados, o sangue nas roupas<br />
<br />
- o sorriso nas bocas,<br />
<br />
a calma de quem não ia longe, mas perdeu-se.<br />
<br />
E assim deu-se.<br />
<br />
Nem na morte nem no sonho,<br />
<br />
mas com a sorte <br />
<br />
do remédio um d'outro, vivos<br />
<br />
tão vivos quanto se deve ser no último minuto.<br />
<br />
A vida espiada pela fresta de uma janela aberta em folhas:<br />
<br />
em algum lugar do mundo, agora<br />
<br />
é primavera, ou chove<br />
<br />
e no entanto as calçadas são pequenas, muito pequenas.<br />
<br />
Fatalmente, caminham perto. São tolos.<br />
<br />
E a vida segue, tolice maior seria perder-se dela.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-70913785617083026582012-09-14T22:50:00.002-07:002012-09-17T21:50:40.537-07:00Profecia dos navegantes<br />
<br />
<i>"Ia lento a balouçar, e de longe ninguém diria<br />
<br />
tratar-se mesmo de um barco: distante demais de qualquer rio;<br />
<br />
dos oceanos distante ainda mais. Tudo ao redor nem parecia água pr'a nela se navegar.<br />
<br />
No entanto, improvável, aquele barco punha tontos seus passageiros insones."</i><br />
<br />
<br />
<br />
Chegarão com flores e conhaque.<br />
<br />
Terão uma palavra demente entre os lábios. Um convite obsceno.<br />
<br />
Terão também uma sombra de saudade a pesar sobre os copos e sobre os corpos.<br />
<br />
Virão de longe mas falando em pertos. Volvendo de outros portos, <br />
<br />
tendo mirado outras águas, dirão preferir <br />
<br />
a incidência dos acasos à precaução das permanências.<br />
<br />
Não saberão dizer se pensam o abandono de si nos pequenos atos de morte.<br />
<br />
Ao demorar para encontrar as frases, será tão somente que sofreram tempestades.<br />
<br />
Mas que agora têm firmeza para os rigores da dor. E porque conheceram<br />
<br />
o idioma incompreensível da sorte<br />
<br />
arriscarão nas cartas o sangue e o compasso um do outro.<br />
<br />
<br />
(Dormirão satisfeitos, e na letargia das horas <br />
<br />
será do mistério de tudo que tratarão, mesmo sem palavras)<br />
<br />
<br />
Levantarão do fundo do peito os claros sinais dos porquês.<br />
<br />
Sem pretensão de evitar o incêndio, será justo com o fogo que farão acender a noite e o dia.<br />
<br />
Entre todas as cores, a mais próxima desse fogo<br />
<br />
lhes fará ver no absurdo a natural ordem das coisas.<br />
<br />
Serão os estrangeiros dos relatos embriagados, mas chamarão de casa o chão onde deitam.<br />
<br />
<br />
Amanhecerão, depois de muito tempo, com a alma estampada de estrelas. <br />
<br />
E no teatro íntimo dos escolhidos, terão confessado a loucura <br />
<br />
de fugir em barcos <br />
<br />
<br />
que navegam longe d'águas.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-38081577476540174342012-09-06T01:28:00.002-07:002012-09-06T01:30:57.570-07:00O cio das águas<br />
<br />
Há uma madrugada de paz, de chão alumiado sob os pés,<br />
<br />
por trás dos tecidos sombrios e depois<br />
<br />
sempre depois<br />
<br />
da imóvel maré e do abismo dos barcos.<br />
<br />
<br />
Há uma espera nos distantes portos <br />
<br />
e a ilha sonâmbula que acena da margem.<br />
<br />
<br />
Há um mar alto com a sede de um mar alto<br />
<br />
e a água afogando as bocas num resumo de amanhecer. <br />
<br />
<br />
Há um dilúvio, ou a mísera gota, e tudo é tanto que mesmo de perto duvidas.<br />
<br />
<br />
Há a foz púrpura e a fome púrpura: <br />
<br />
a sede dos bichos que cheiram a sono e deleite.<br />
<br />
<br />
Há um vagar marejado, ou um passo de bêbado e a preguiça que ondula os lençóis.<br />
<br />
<br />
Há um sol que não vai nascer antes do cio e do ócio das marés.<br />
<br />
<br />
Há uma vertigem de além-mar, um mar bravio a desnortear canoas e o destino.<br />
<br />
<br />
E o mar, esse que há de se dizer no feminino.<br />
<br />
<br />
<br />
Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-90053974107156429732012-08-18T23:57:00.002-07:002012-08-19T21:32:12.733-07:00O domingo é um felino a lamber as patas<br />
<br />
<br />
Essa violência de não estar, <br />
<br />
essa violência<br />
<br />
de querer estar.<br />
<br />
Nas paredes se desenha a ausência. Chamamos.<br />
<br />
E não estamos, há cidades com céus arranhados<br />
<br />
onde não estamos.<br />
<br />
Por ali passamos: é verdade,<br />
<br />
mas se estamos - onde era o destino?<br />
<br />
Nunca ficamos.<br />
<br />
Não fingimos saber: acreditamos.<br />
<br />
No chão duro a solidão<br />
<br />
cobra caro pelos cobertores. Quer o amor?<br />
<br />
Ou amores?<br />
<br />
Desperdíça-se a solidão.<br />
<br />
Só um recado: enquanto não chego<br />
<br />
o domingo é um felino. Teus calores<br />
<br />
são a arte secreta, perdida,<br />
<br />
as finas flores. Do sim.<br />
<br />
Das vontades que fervem.<br />
<br />
Enquanto não chego, não estamos,<br />
<br />
e chamamos assim<br />
<br />
por qualquer nome o que nome não tem.<br />
<br />
É que queremos vento, açoite de peles<br />
<br />
mas é domingo<br />
<br />
e quando estamos, <br />
<br />
o domingo é um felino a lamber as patas.<br />
<br />
Quando estamos, as veias azuis são de fogo<br />
<br />
mas um felino se esgueira sobre os lençois.<br />
<br />
E quando chegamos, lambe as patas, não há tempo que passa<br />
<br />
- e por um momento, estamos.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
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<br />
<br />
Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-23574191656002102862012-07-22T00:54:00.002-07:002012-07-22T01:46:09.523-07:00Matemática do OrigamiNoite rubra se me afogo em quartos que sonhei de vinho e de vento,<br /><br />Com gatos alheios à minha febre gemendo as veias cálidas, ou de flores azuis<br /><br />Consagrando aos números ímpares a parte mais doce do verso do mundo.<br /><br /><br />Certa regra obscura para os imaturos navegantes: desatar os nós de amores e âncoras,<br /><br />Perdidos o medo do céu e enfim o medo das águas, <br /><br />Se para todo augúrio de terra um remorso de peito sem donde vir, aos gritos surdos.<br /><br /><br />Dela chamar com mãos clandestinas o choro mais oculto,<br /><br />Atravessados como um poema sanguíneo de palavras rarefeitas, uma oração de infieis<br /><br />Que ao longo da rigorosa noite de gelo queimam seus poucos trapos.<br /><br /><br />Não é da miséria nem da ventura, nem da aguardente ou do sortilégio<br /><br />A culpa pela incendiária sina de querer: houve um tempo antes da água antes do fogo,<br /><br />Um tempo de barcos ancorados na calma da tua mão que bastava.Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-4290224655683751002012-05-09T22:55:00.000-07:002012-05-09T22:56:22.394-07:00DesnomeioProvíncias de gelo e mesmo assim até que se fôssemos mais jovens (bobagem, ela parece quase tão menina quanto em mim já pesa um século sobre cada pálpebra), mais jovens e menos, como se diz, menos afeitos ao vício de fugirmos pelo canto dos olhos (os dela se me esforço um pouco posso afirmar com toda certeza que são cinzentos ou da cor de certos gatos que me assombravam a infância, mas se me esforço mais um pouco daí tenho outra certeza, que nunca prestei muita atenção naqueles olhos, não que nunca, mas nem sempre isso de olhar nos olhos me convenceu de alguma coisa), e eu não hesitei em dizer lembra como você cantava bem?, como se falássemos de um tempo tão remoto, tão antes de tudo, que agora em absoluto estaríamos livres da nossa própria desconfiança (primeiro eu fiz questão de assobiar com cuidado minucioso cada nota que lembrei, que eu pensei lembrar, da única música que um dia - pense em uma tarde desbotada e duas vozes tímidas como um espelho embaçado - a única que um dia eu e ela, mas só por acaso, cantamos quase afinados, a cidade era outra, outra cidade a exigir que eu soubesse seu nome pela manhã, no fundo só mais uma, no fundo de mais uma e eu acordando sem a mínima intenção de fingir saber o nome (agora eu tinha mais idade que aparento, mais medo que aparento, e sobre o tempo prefiro nem falar) dela me bastam uma ou duas ruas a me quebrar os itinerários, mais que isso seria pedir o que nem preciso, e ando numa economia de luxos, sabem, de inutensílios, que por ora só os goles que me dissolvem as pedras, nada demais, nada de muito, vocês conhecem muito bem a história: ele só queria, ela não imaginava, ele insistia, ela ela ela, parece até um louco da rua, quando menos se espera tudo outra vez (eu disse lá no começo que vocês conheciam essa história, eu pedi que confiassem), as pálpebras não eram para estar cansadas sob a densa montanha dos séculos?, pois não estavam, e eu abri muito os olhos para ter certeza que aquelas mãos suspensas no ar entre nuvens de fumaça eram o convite que eu adivinhei duas tragédias atrás.Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-44407530441745462142012-04-05T18:35:00.006-07:002012-04-05T18:57:31.815-07:00Exercício de datilografiaHora dessas<br /><br />vontade de não<br /><br />vontade de nem<br /><br />e por um punhado de nada<br /><br />pôr tudo a perder.<br /><br />Ora essas<br /><br />que nem sabem de mim<br /><br />que nadam e esquecem de mim<br /><br />é que em mim correm nadas maiores.<br /><br />Ora, as horas<br /><br />que me importam as horas<br /><br />tenho pouco medo e ainda menos dinheiro<br /><br />quero ver é coragem pra dizer em voz alta.<br /><br />Há horas sou pássaro e vontade de passar.<br /><br />Agora, ora, é hora.<br /><br />Vou voar.Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-22781792891634403692012-03-30T01:24:00.001-07:002012-03-30T01:25:51.049-07:00MalíciaOs acasos quando batem à porta trazem um sorriso deslavado. <br /><br />Do que se riem, esses pequenos destinos medonhos?<br /><br />Vamos dizer que seja cruel toda ameaça de contentamento; talvez seja isso mesmo.<br /><br />Cruel como um deus-criança brincando de ofertar venenos à preço de liquidação.<br /><br />Vamos dizer (baixinho, num quase sussuro) que a língua desobedece a lógica se desejando o fel.<br /><br />Prova-o: é doce.<br /><br />Nunca vamos saber a precisa equação do assassinato sem culpa. <br /><br />Matamos e depois vamos dormir, é simples como mitigar a sede com um gole farto.<br /><br />Ou matamos e nos sabemos mortos ali, no sangue que corre.<br /><br />A flecha atravessada no peito do outro, doendo aqui nesse peito que no entanto não sangra.<br /><br />Assassinado, intacto.<br /><br />Tudo, tudo vertigem de estar sonhando em voz alta as coisas de sempre.<br /><br />De saber de cor os desenhos da memória e do futuro (são grandes carrosseis girando parados numa foto à cores).<br /><br />E depois não se explica a maldição de acordar com o acaso batendo à porta outra vez, ventura danada.Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-19985005415770450802012-02-25T20:27:00.005-08:002012-02-26T07:59:14.131-08:00Do outro lado da rua tem um sobradoQue pensaram quando aos poucos o silêncio crescia entre eles?<br /><br />O que teriam dito se numa tarde-noite a saudade de outras janelas?<br /><br />E da comida intocada no prato, e de um vento a entortar o fino caule da amoreira, que diziam?<br /><br />Se pela manhã a brancura dos lençóis raramente desarrumados, naquela casa sem sono, diziam algo? Teriam um ódio gotejando escuro ou vestiam o mármore da indiferença?<br /><br />Diz-se: de cada um o diabo rouba um detalhe.<br /><br />E dá-se muito também o caso de enganarmos o futuro. Prevê-lo em seus humores, mas assentir com um sorriso verde-água. Que tanto faz.<br /><br />Qual os homens quiseram, a casa erguida para quem virá, as intactas louças guardadas à espera: um abismo decorado em azulejos portugueses.<br /><br />A chuva que nem chegava a tocar o agreste do corpo, mas espiada pela vidraça parecia cair para um fim único, secreto.<br /><br />Diziam talvez, mas não viremos a saber, que há sempre um tempo de coser e um tempo de rasgar.Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-51062479295025548172011-12-19T22:54:00.000-08:002011-12-19T23:06:48.703-08:00Águas fundas, tempos dormentesQuando as cidades sem nome e eu tínhamos um nome<br /><br />esse nome decerto se dizia em voz baixa<br /><br />como se faz com essas mandingas de amor atadas ao pulso.<br /><br />De triste mesmo tinha o caso de sermos mais carta do que carne:<br /><br />mais vento entre os dedos do que <br /><br />punhados de terra e água, <br /><br />mais acaso do que casa com sala e cozinha.<br /><br />Mesmo assim nas dormências do mundo éramos uma nudez de olhos. <br /><br />E da pele vez ou outra vertia uma escureza, que também falta lua ao rumo dos bichos.<br /><br />Quando as cidades tinham janelas que davam para um rio,<br /><br />e o rio um riso que dava para um barco<br /><br />parecia sempre que a gente podia contar os passos até ali: o outro lado da rua,<br /><br />a margem donde ninguém nos busca(ria). <br /><br />Os escondidos cantos quando sonhamos o cheiro das pupilas.<br /><br />Deu hoje de noite uma saudade de equilibrar, devagarinho, os pés<br /><br />sobre o chão incerto da jangada.<br /><br />(as ondas não podiam derrubar a gente no mar morno da noite)<br /><br />E saber assim com a alma meio apertada de nós<br /><br />que afinal de contas <br /><br />não estaria nada mal pisar na água sem afundar.Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-60694149726753265722011-11-04T23:07:00.000-07:002011-11-04T23:40:32.887-07:00Para o bem de deusPara se fazer das pedras a espuma<br /><br />a paixão mais inútil espera<br /><br />rebentando de tanto fruto sob a sombra rara<br /><br />- bem que podiam ter inventado um deus que sonhasse.<br /><br /><br />Ou que as ondas viessem na areia rezar ao teu colo.<br /><br /><br />Pelas janelas movediças linhas, anoitecendo de rigores e só<br /><br />aquela última e desamiga cena de uma ceia magra.<br /><br /><br />Coube ao negrume tecer as velas, arfando no quieto quieto mar sem fim<br /><br />como um criado a quem restasse arder com mãos impuras.<br /><br />Podiam ter inventado um deus que morresse de um mal menor. <br /><br />Como o ciúme.<br /><br /><br />No cuidado ao dasatar pés e mãos, antes entregues a ti, nem isso<br /><br />nem a isso mais se presta o lamento.<br /><br />Para inverter os encantos é a pele que se descobre faceira, aliviada, alguém morreu.<br /><br /><br />Para o bem de deus evitaram que ele um dia fodesse olhando nos olhos.Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-89711881218603104212011-10-22T00:30:00.000-07:002011-10-22T01:19:06.239-07:00Costa doce dos quebrantosDois pátios. <br />Sei que transtornas as poças<br />ou o lamento de bois a tardar, escassez sim de ti e de mim.<br />De bichos amontoados a sovar o tempo<br />e relva sem nome a grassar porque sim, porque respiras no fundo.<br /><br />No fundo da coisa, emboscada, a memória.<br /><br />Duas putas, um nome igual ao da outra<br />e pra não dizer eu um terceiro simula<br />- aqui com um mundo de teatros sem gente: vazios,<br />beira da era, do gozo que é raro.<br /><br />Sombra do mato, costa doce, erva mansa.<br /><br />Fui de quebrantos para sorvendo teu sono, tua teta<br />- moça, que é que te faço que é bom de querer?<br />A moça não diz e a morte sorri, pressuposta<br /> <br /> num figo maduro.<br /><br />Na vida, intervalo entre dois nadas,<br />de fuga e de cavalos que salivam os séculos<br />essa febre de canoas emborcadas.<br /><br />Tudo há de ser na lua certa.<br /><br />Não é o tempo sob teus pés: mas a língua modesta a dizer litorais.Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-15094499062414642412011-09-11T08:54:00.000-07:002011-09-11T08:56:42.472-07:00GracejoA graça<br /><br />toda<br /><br />é <br /><br />mirar a moça<br /><br />ensaiar<br /> <br />o passo <br /><br />e disfarçar <br /><br />o tombo.Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-40932451280806410232011-09-05T00:41:00.000-07:002011-09-05T00:44:49.321-07:00Temporal. Recuerdos. Domingo.Acho que a vi pela primeira vez atravessando uma rua sem sentido nenhum. A rua decerto tinha sentido: quem não tinha era ela. E nem vou mentir que me importei.
<br />
<br />Você que nunca encontrou casa nesse mundo, ele que viveu de pequenos furtos mas não guardou nada para si...quanta gente ainda ilude a carne com o enigma da espera. Aos pobres dos enganados, a morte ou uma certa insônia a pesar sobre aqueles olhos. Apesar daqueles olhos.
<br />
<br />(As mãos são a morada da saudade.)
<br />
<br />Quando então um certo gesto denuncia o peso que nem parecia haver ali: como é mágico entreter os sonhos com o tempo que não anda.
<br />
<br />A conversa com estranhos substitui a visita dos amigos reais. Fatalmente os amigos reais tem nesse momento um encontro marcado naquele lugar da cidade onde você não está, onde nunca estará. Que bobagem é ferir o peito e amargar o vazio.
<br />
<br />Quando eu e tu lembrarmos de como nunca deveria ter sido, pode escrever que somos dois (ou mais) mentirosos. Eu inventei a mentira, ela inventou a certeza: o fogo eu tinha pra mim como a nossa feliz ameaça. Acontece que não. Com eles, não.
<br />
<br />Despejaram dos céus todo o crime que por acaso coube a mim assumir. Era o temporal que minha avó benzia com o rosário e com o medo. Lembro de não ter nome ainda quando a chuva caía com calma. Bênção da avó que aguava as figueiras.
<br />
<br />Eu fugi quando fiz de conta que fiquei. Não se faça de louca.
<br />
<br />Não vou prometer a fidelidade dos homens santos, nem a dos bandidos com uma causa.
<br />
<br />Era mais ou menos dois verões atrás. Digo, os vermelhos anunciavam um florir prematuro e a gente morria de tanto rir. Se quer saber como me pareceu tua presença, cuida que nunca mais eu ri daquele jeito.
<br />
<br />Cai o temporal, a danada da cidade a se molhar é uma criança na chuva.
<br />Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-53094522185595069812011-08-28T19:21:00.000-07:002011-08-28T19:30:31.065-07:00Notícias possíveis dos pedaços recém jogados foraAnda inadequado sentir. Como uma roupa que não mais me coubesse e ainda insisto, insisto. Como uma lembrança ofuscada de fotos escurecidas pelo cansaço, insisto: pelos dedos perfeitos dela arranhando meus olhos por dentro. Insisto. Até nos adjetivos trocados se vê que anda perigoso sentir. Revirando as coisas aqui achei a prova de um diário vazio: palavras, e palavras. Negras como a tormenta vindo pelas janelas. Deixa o corpo benzer as insignificantes horas: uso os topos pra mirar um chão de terra batida, goiabeiras, o primeiro tempo onde nem sei de ti. Mas fazer de conta que sim, que sempre, que nada. A voz nem do homem nem da criança, mas da gente.
<br />
<br />Eu te iluminei com uma metáfora pobre e paguei um preço que desconhecia. Agora vamos sorrir e acenar dos quintais que vizinham.
<br />
<br />Idos do ano aquele: não lembro mais. Nem é de lembrar que falo mais. É que chove sobre as pálpebras, tenho sede e a água não basta. Pela terceira vez com os pés sobre o piso frio, madrugando, alagado de tudo que posso agora. Passam as águas lá fora com seus afogados, as afáveis cautelas e uma lua íntima. Não vou morar mais junto aos cães do alto, te disse? Hora de abusar um pouco do risco, fazendo de conta que há risco. Fazendo de conta que há um risco.
<br />
<br />Deitados sob um céu secreto eles trocaram os papeis: e nunca mais voltaram a ser o antes.
<br />
<br />Assim que pensei que o esquecimento faz o homem viver. Nomes, todos, a esquecer; peles, cores, cheiros, apetites: memória daninha grassa sobre meus campos. Se pela fortuna do riso amasso as folhas secas com um domingo nos olhos, ela sabe. E ri, lá de um longe inumerável, das coisas que digo entre dentes.
<br />
<br />Não era tão alta a noite que só fíngiamos enxergar?
<br />
<br />A seguinte carta foi escrita por um homem subitamente privado do interesse em falar a língua dos outros. Respondeu a cada pergunta com um despropósito brotando da boca, em sons que avaliaram depois como uma praga comum aos desmemoriados. Era breve como se espera de quem adormece na areia da praia:
<br />
<br />“Estive aqui no dia anterior ao finalmente dizer que nunca te conheci. Acho que era minha casa e mesmo assim estrangeiro teu. Duvido de tudo que é vida. Pensa pouco mas em mim só deixa queimar. Lábios.”
<br />
<br />(A carta, claro, foi rasgada e não se tem notícia do destinário. Se alguém leu aqui alguma mensagem subliminar, esqueça imediatamente e retorne ao início do texto. Aprenda a ter menos interesse pelos mistérios da pessoa!)
<br />
<br />No mais o despertar anda bom, obrigado. A coragem é pouca, mas a gente engana bem. E outra: acho que vou escrever um drama pornográfico em três atos.
<br />Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6565917869644941007.post-57876598307839106862011-08-01T23:24:00.001-07:002011-08-01T23:37:31.287-07:00Um nó na goelaOnde o vento vai dizer teus nomes<br />Que não sobre a carta das mãos, ou os meses debruçados<br />Na fartura de uns olhos que esquecem?<br /><br />Mares dormem cais, mas tanto me gastam as ressacas...<br />Se pra ser deserto só me basta um peito só <br />Ou dois: virando as costas para o nó na goela.<br /><br /> <br />-Será que nós vamos enlouquecer?<br />- Nós já estamos loucos.<br />- Então, depois do agosto esquecemos.<br /> <br /><br />Com decência me devolvem a vaga nas veias,<br />Ora pedem por um pouco mais de calor, e vingam marés.<br />É de se notar no inverno as raposas famintas de uvas negras.<br /><br />(Irmãs, sentimos a mesma fome, o sono há de matar a dor e quereres)<br /><br />Para que ninguém desconfie é importante quebrar os lemes,<br />Gritar aos homens que deixem bocas aflitas e toalhas limpas<br />Ensinar o pior à prole, confessar com veemência cada crime, fingir que é sangue<br />O rastro espesso das mortes menores.<br /><br />Mais é dizer uma coisa que não seja só verdade.<br />Então cada estrela estará suja, foi-se o tempo e ainda lambemos as bordas do sonho.<br />Nunca mais dormir para não balbuciar um trem que rumina.<br /><br />- Lembra de não afagar meus cabelos ao me crivar de facas?<br /><br /><br />Quem tiver olhos de esquecer, que esqueça por mim.Atílio Alencarhttp://www.blogger.com/profile/13455419586932123294noreply@blogger.com3